sábado, 23 de abril de 2016

A relação dos saberes como reguladora da identidade do trabalho docente universitário

        O profissional docente define-se ao assumir um ofício de saberes que, em sua legitimação torna público um ofício privado. Ofício privado constitui-se na identidade subjetiva construída, a partir da significação social que o docente retrata nas execuções das tarefas que lhe são próprias e estruturadas no cotidiano de seu trabalho, por se considerar o ensino como “ um ofício universal”. (GAUTHIER, 1998:53)

      A identidade docente consubstancia-se pela mobilização de saberes, entendendo que estes encerram um projeto de ação ativando recursos administrativos, contextuais, técnicos, experienciais, pedagógicos e científicos. 

    Esta mobilização de saberes permite não incorrermos ao erro de manter, a este respeito, uma espécie de cegueira conceitual em que o ofício sem saberes se manifesta por meio da crença de que basta conhecer o conteúdo, ter talento, ter experiência ou ter bom senso para se exercer eficazmente a docência.

A quais saberes docentes fazemos referência, quando se articula ofício às competências?

   Considera-se que os saberes privilegiam a intensidade e a extensão, redefinindo a qualidade das ações pedagógicas dos docentes. A intensidade e a extensão das ações pedagógicas, que caracterizam o ofício docente universitário, representam a relação horizontal e vertical do processo de ensino-aprendizagem, determinando competências específicas originadas pelos saberes.

   Os saberes docentes são produzidos por significados, que justificam complexidades teóricas e práticas elaboradas. Assim sendo, estes se efetivam para referendar a identidade docente fundamentados pela articulação subjetiva dos saberes, como instrumentos permanentes do pensar e do agir.

   '' a ação educativa reúne em si as características da arte e da ciência. Ninguém pode ensinar se não sabe. Mas o processo de conhecer e ensinar é tão peculiar que ao ensinar se aprende, que ao educar se desenvolve e se transforma o conhecimento. ''

     Ciência e arte estão representados por conhecimentos, habilidades e atitudes que demarcam o trabalho pedagógico, como ofício docente, situando o professor no epicentro de sua própria formação humana. Considera-se que para saber fazer bem seu ofício de educar, não basta dominar o conteúdo e conhecimentos científicos, como também não basta administrar a didática e a intuição em seu desempenho profissional. Acima de tudo, é necessário o aprofundamento de questões que envolvem a própria epistemologia do conhecimento pedagógico, na dimensão que configure competências docente.

sábado, 16 de abril de 2016

SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM BREVE PANORAMA DA PESQUISA BRASILEIRA

Surgimento e características do debate no âmbito nacional

       As pesquisas sobre formação de professores têm destacado a importância de se analisar a questão da prática pedagógica como algo relevante, opondo-se assim às abordagens que procuravam separar formação e prática cotidiana. Na realidade brasileira, embora ainda de uma forma um tanto “tímida”, é a partir da década de 1990 que se buscam novos enfoques e paradigmas para compreender a prática pedagógica e os saberes pedagógicos e epistemológicos relativos ao conteúdo escolar a ser ensinado/aprendido. Neste período, inicia-se o desenvolvimento de pesquisas que, considerando a complexidade da prática pedagógica e dos saberes docentes, buscam resgatar o papel do professor, destacando a importância de se pensar a formação numa abordagem que vá além da acadêmica, envolvendo o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente. 

       Passou-se a estudar a constituição do trabalho docente levando-se em conta os diferentes aspectos de sua história: individual, profissional etc. Percebe-se, então, uma “virada” nos estudos, que passam a reconhecer e considerar os saberes construídos pelos professores, o que anteriormente não era levado em consideração. Nessa perspectiva de analisar a formação de professores, a partir da valorização destes, é que os estudos sobre os saberes docentes ganham impulso e começam a aparecer na literatura, numa busca de se identificarem os diferentes saberes implícitos na prática docente. Nesse espírito, tinha-se em vista que “é preciso investir positivamente os saberes de que o professor é portador, trabalhando-os de um ponto de vista teórico e conceptual”.

       Já os anos 1990 foram marcados pela busca de novos enfoques e paradigmas para a compreensão da prática docente e dos saberes dos professores, embora tais temáticas ainda sejam pouco valorizadas nas investigações e programas de formação de professores.

       Dessa forma, resgata a importância de se considerar o professor em sua própria formação, num processo de auto-formação, de reelaboração dos saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada. Assim seus saberes vão-se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a prática. Essa tendência reflexiva vem-se apresentando como um novo paradigma na formação de professores, sedimentando uma política de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e das instituições escolares.

      Em seu estudo, a autora afirma que todos os professores entrevistados revelam a existência de um conhecimento profissional que vai sendo construído ao longo da carreira, apesar das características e trajetórias distintas, o qual precisa ser conhecido, já que o mesmo norteia a prática educativa

      Therrien (1995) salienta o quanto os estudos sobre a formação do professor ainda persistem numa dissociação entre a formação e a prática cotidiana, não enfatizando a questão dos saberes que são mobilizados na prática,ou seja, os saberes da experiência. Esse saberes são transformados e passam a integrar a identidade do professor, constituindo-se em elemento fundamental nas práticas e decisões pedagógicas, sendo, assim, caracterizados como um saber original. Essa pluralidade de saberes que envolve os saberes da experiência é tida como central na competência profissional e é oriunda do cotidiano e do meio vivenciado pelo professor. 

Saberes docentes: identificando enfoques e tipologias

       No entanto, considerando que tanto a escola como os professores mudaram, a questão dos saberes docentes agora se apresenta com uma outra “roupagem”, em decorrência da influência da literatura internacional e de pesquisas brasileiras, que passam a considerar o professor como um profissional que adquire e desenvolve conhecimentos a partir da prática e no confronto com as condições da profissão.

       A primeira categoria, ofícios sem saberes, abrangeria uma falta de sistematização de um saber próprio do docente envolvendo bom senso,intuição, experiência etc. Já os saberes sem ofício caracterizam-se pela formalização do ensino, reduzindo a sua complexidade e a reflexão que é presente na prática docente. 

Concluindo e encaminhamentos futuros…

       De certa forma, o repensar a concepção da formação dos professores, que até a pouco tempo objetivava a capacitação destes, através da transmissão do conhecimento, a fim de que “aprendessem” a atuar eficazmente na sala de aula, vem sendo substituído pela abordagem de analisar a prática que este professor vem desenvolvendo, enfatizando a temática do saber docente e a busca de uma base de conhecimento para os professores, considerando os saberes da experiência.

sábado, 2 de abril de 2016

COMPETÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: O QUE (NÃO) HÁ DE NOVO

Reformas curriculares para a formação de professores: relações globais-locais no controle do trabalho docente

As políticas educacionais em países periféricos sempre foram fortemente influenciadas por movimentos e reformas de países centrais. Podemos afirmar, contudo, que esse fenômeno vem se acentuando significativamente na última década como parte dos processos de globalização da economia e de mundialização da cultura. Tais processos produzem discursos que condicionam as políticas educacionais em nível local, fortemente influenciadas pelos interesses econômicos.O currículo por competências, a avaliação do desempenho, a promoção dos professores por mérito, os conceitos de produtividade, eficiência e eficácia, entre outros, disseminam-se nas reformas educacionais em curso no mundo globalizado. 

No caso da formação de professores no Brasil, podemos identificar o questionamento da atuação profissional dos professores como um dos discursos que visam a estabelecer a construção dessa tentativa de consenso e legitimação da reforma. No site do Ministério da Educação em 2000, a Secretaria de Ensino Superior (SESU) associava o fraco desempenho na aprendizagem dos alunos à formação insuficiente de seu quadro docente, justificando as mudanças decorrentes da nova legislação em torno de uma nova concepção para a formação de professores brasileiros. 

No discurso dos documentos, o sucesso da reforma educacional brasileira é vinculado à existência de professores que sejam mais bem preparados para “realizar o seu trabalho pedagógico de acordo com a lei”. Com isso, espera-se também um compromisso por parte do professor na implementação da reforma e constitui-se uma forma de controle da ação docente. 

Um dos mecanismos apontados pelos documentos oficiais para o controle da formação de professores é o processo de avaliação de competências. A formação por competências tem sido elemento fundamental em um número significativo de reformas curriculares, nos mais variados níveis e modalidades de ensino em diversos países. Por esse mecanismo, busca-se a redefinição do processo de formação contínua dos professores em torno de sua profissionalização, pautada na concepção de competência profissional. Como passamos a analisar, tanto a relação das competências com o controle do trabalho docente quanto sua vinculação com a profissionalização dos professores têm suas bases em teorias curriculares instrumentais já difundidas anteriormente no Brasil e nos Estados Unidos.

Competências na formação de professores: as décadas de 1960 e 1970

O currículo por competências tinha por base o entendimento de que era muito estreita a associação entre desempenho do aluno e do professor. Acreditava-se que alunos com bom desempenho escolar possuíam bons professores ou professores eficientes. Com essa compreensão,desde o início do século surgiram muitas pesquisas no campo da educação voltadas ao estabelecimento da competência do professor,intensificando-se especialmente nos anos de 1960 e 1970,quando passaram a visar sobretudo à medida dos comportamentos desejáveis no professor.

Desses estudos surgiram os modelos denominados Formação do Professor Baseada em Competências (Competency-Based Teacher Education – CBTE) e Educação do Professor Baseada em Desempenho. Nesse movimento, o que os professores sabiam sobre o ensino parecia bem menos importante que a habilidade do professor de ensinar e causar mudança de comportamento nas crianças.

Entre as finalidades na organização das competências, encontramos a de que suas subdivisões e sua conseqüente operacionalização permitiram a criação de itens para os testes que pretendiam medir a competência docente. A larga difusão dos testes de competência para os professores fez surgir, em âmbito nacional, um sistema de certificação das competências. O desempenho nos testes conferia a certificação aos professores em exercício e aos recém-formados e também a licença para a instituição formadora prosseguir no oferecimento desses cursos, se confirmado o êxito de 80% dos seus alunos nesses testes.

Competências na formação de professores: o que (não) há de novo

Como já salientamos, nos documentos da reforma curricular brasileira para a formação docente no final dos anos de 1990, o currículo por competências surge como “novo” paradigma, construindo a ideia de que a escola deve estar sintonizada com as mudanças da sociedade (mais uma vez uma sociedade em vertiginosas mudanças),ajustada ao mercado de trabalho. A complexa conjuntura que se apresenta tanto nos Referenciais (1999) como nas Diretrizes (2001) indica para a escola novas tarefas, entre as quais a ressignificação do ensino em resposta aos desafios contemporâneos. 

Tencionando realizar “um desafio de proporções consideráveis”para um curto espaço de tempo – o de “consolidar um novo perfil profissional muito diferente do convencional”, o currículo da reforma propõe alterar de fato “o modelo de professor”. Essa visão, assim como a que busca estabelecer relações entre desempenho do professor e do aluno, está sintonizada com aquela defendida na formação docente com base nas competências ou no desempenho, sob o enfoque instrumental de currículo.
 
Essa flexibilidade no currículo por competências visa a atender a uma nova forma de organização do conhecimento, instituindo ações de formação voltadas à modularização do ensino, ao aprender a aprender, demonstrando o caráter individualizante das competências.
 
Aprender a ser professor, segundo as Diretrizes, requer a ênfase no conhecimento prático ou advindo da experiência, pois “saber– e aprender – um conceito, uma teoria é muito diferente de saber– e aprender – a exercer um trabalho” .

Essa concepção também defende a ideia de “repensar a perspectiva metodológica”, indicando que as competências propiciam “situações de aprendizagem focadas em situações problema ou no desenvolvimento de projetos” , bem como possibilitam “a interação dos diferentes conhecimentos” de forma integrada em áreas ou disciplinas.

Entretanto, ao se desenvolver a avaliação como processo fundamental na formação por competências do profissional docente, as questões sobre quantificação e individualização passam a se colocar, no mínimo,como problemáticas. 

Ainda podemos identificar, na proposta desse novo modelo brasileiro de profissionalização, que se pretende mais que um novo processo de formação de professores e, sim, um novo tempo-espaço para a formação, no qual o próprio professor é responsabilizado por sua formação permanente, em serviço.
 
Caberá ainda ao professor, individualmente, identificar melhor suas necessidades de formação e empreender o esforço necessário para realizar sua parcela de investimento no próprio desenvolvimento profissional, pois ser profissional “implica ser capaz de aprender sempre” .