Reformas curriculares para a formação de professores: relações globais-locais no controle do trabalho docente
As políticas educacionais em países periféricos sempre foram fortemente influenciadas por movimentos e reformas de países centrais. Podemos afirmar, contudo, que esse fenômeno vem se acentuando significativamente na última década como parte dos processos de globalização da economia e de mundialização da cultura. Tais processos produzem discursos que condicionam as políticas educacionais em nível local, fortemente influenciadas pelos interesses econômicos.O currículo por competências, a avaliação do desempenho, a promoção dos professores por mérito, os conceitos de produtividade, eficiência e eficácia, entre outros, disseminam-se nas reformas educacionais em curso no mundo globalizado.
No caso da formação de professores no Brasil, podemos identificar o questionamento da atuação profissional dos professores como um dos discursos que visam a estabelecer a construção dessa tentativa de consenso e legitimação da reforma. No site do Ministério da Educação em 2000, a Secretaria de Ensino Superior (SESU) associava o fraco desempenho na aprendizagem dos alunos à formação insuficiente de seu quadro docente, justificando as mudanças decorrentes da nova legislação em torno de uma nova concepção para a formação de professores brasileiros.
No discurso dos documentos, o sucesso da reforma educacional brasileira é vinculado à existência de professores que sejam mais bem preparados para “realizar o seu trabalho pedagógico de acordo com a lei”. Com isso, espera-se também um compromisso por parte do professor na implementação da reforma e constitui-se uma forma de controle da ação docente.
Um dos mecanismos apontados pelos documentos oficiais para o controle da formação de professores é o processo de avaliação de competências. A formação por competências tem sido elemento fundamental em um número significativo de reformas curriculares, nos mais variados níveis e modalidades de ensino em diversos países. Por esse mecanismo, busca-se a redefinição do processo de formação contínua dos professores em torno de sua profissionalização, pautada na concepção de competência profissional. Como passamos a analisar, tanto a relação das competências com o controle do trabalho docente quanto sua vinculação com a profissionalização dos professores têm suas bases em teorias curriculares instrumentais já difundidas anteriormente no Brasil e nos Estados Unidos.
Competências na formação de professores: as décadas de 1960 e 1970
O currículo por competências tinha por base o entendimento de que era muito estreita a associação entre desempenho do aluno e do professor. Acreditava-se que alunos com bom desempenho escolar possuíam bons professores ou professores eficientes. Com essa compreensão,desde o início do século surgiram muitas pesquisas no campo da educação voltadas ao estabelecimento da competência do professor,intensificando-se especialmente nos anos de 1960 e 1970,quando passaram a visar sobretudo à medida dos comportamentos desejáveis no professor.
Desses estudos surgiram os modelos denominados Formação do Professor Baseada em Competências (Competency-Based Teacher Education – CBTE) e Educação do Professor Baseada em Desempenho. Nesse movimento, o que os professores sabiam sobre o ensino parecia bem menos importante que a habilidade do professor de ensinar e causar mudança de comportamento nas crianças.
Entre as finalidades na organização das competências, encontramos a de que suas subdivisões e sua conseqüente operacionalização permitiram a criação de itens para os testes que pretendiam medir a competência docente. A larga difusão dos testes de competência para os professores fez surgir, em âmbito nacional, um sistema de certificação das competências. O desempenho nos testes conferia a certificação aos professores em exercício e aos recém-formados e também a licença para a instituição formadora prosseguir no oferecimento desses cursos, se confirmado o êxito de 80% dos seus alunos nesses testes.
Competências na formação de professores: o que (não) há de novo
Como já salientamos, nos documentos da reforma curricular brasileira para a formação docente no final dos anos de 1990, o currículo por competências surge como “novo” paradigma, construindo a ideia de que a escola deve estar sintonizada com as mudanças da sociedade (mais uma vez uma sociedade em vertiginosas mudanças),ajustada ao mercado de trabalho. A complexa conjuntura que se apresenta tanto nos Referenciais (1999) como nas Diretrizes (2001) indica para a escola novas tarefas, entre as quais a ressignificação do ensino em resposta aos desafios contemporâneos.
Tencionando realizar “um desafio de proporções consideráveis”para um curto espaço de tempo – o de “consolidar um novo perfil profissional muito diferente do convencional”, o currículo da reforma propõe alterar de fato “o modelo de professor”. Essa visão, assim como a que busca estabelecer relações entre desempenho do professor e do aluno, está sintonizada com aquela defendida na formação docente com base nas competências ou no desempenho, sob o enfoque instrumental de currículo.
Essa flexibilidade no currículo por competências visa a atender a uma nova forma de organização do conhecimento, instituindo ações de formação voltadas à modularização do ensino, ao aprender a aprender, demonstrando o caráter individualizante das competências.
Aprender a ser professor, segundo as Diretrizes, requer a ênfase no conhecimento prático ou advindo da experiência, pois “saber– e aprender – um conceito, uma teoria é muito diferente de saber– e aprender – a exercer um trabalho” .
Essa concepção também defende a ideia de “repensar a perspectiva metodológica”, indicando que as competências propiciam “situações de aprendizagem focadas em situações problema ou no desenvolvimento de projetos” , bem como possibilitam “a interação dos diferentes conhecimentos” de forma integrada em áreas ou disciplinas.
Entretanto, ao se desenvolver a avaliação como processo fundamental na formação por competências do profissional docente, as questões sobre quantificação e individualização passam a se colocar, no mínimo,como problemáticas.
Ainda podemos identificar, na proposta desse novo modelo brasileiro de profissionalização, que se pretende mais que um novo processo de formação de professores e, sim, um novo tempo-espaço para a formação, no qual o próprio professor é responsabilizado por sua formação permanente, em serviço.
Caberá ainda ao professor, individualmente, identificar melhor suas necessidades de formação e empreender o esforço necessário para realizar sua parcela de investimento no próprio desenvolvimento profissional, pois ser profissional “implica ser capaz de aprender sempre” .
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